A coluna Por trás da canção apresenta uma série especial com análises das letras de faixas selecionadas de Everyday Life, o novo álbum da banda.
“Church” é uma das faixas mais ambíguas de Everyday Life. Ao mesmo tempo em que poderia muito bem ser a primeira faixa, com seu jeitinho tímido, intimista, porém energético e introdutório — estes dois últimos, tradicionais das aberturas de álbum do Coldplay —, ela é, também, uma referência direta à faixa de encerramento, que leva o título do álbum.
Isso acontece porque a progressão de acordes (F#m – A – Em – Bm) de ambas as canções é a mesma. Um simples teste: basta tocar “Church” a partir dos 32 segundos, e “Everyday Life” aos 1min06, e elas se sincronizarão até o final.
Mas “Church” vai muito além de coincidências (quer elas tenham sido planejadas ou não).
A segunda faixa de Everyday Life aborda um fino paralelismo entre a beleza e a presença apaixonante, acolhedora, da pessoa que faz sentir-se seguro e protegido. Como uma igreja — aí, entra o nome “Church” —, onde uma pessoa de fé pode sentir as mesmas emoções de alegria e segurança incondicional.
Mesmo assim, o narrador parece se sentir abandonado. A primeira estrofe pode gerar duas interpretações: 1) é como se suas orações nem fossem reconhecidas, enquanto o objeto delas está respondendo a todas as outras orações; ou, 2) em uma analogia entre quem ele ama e Deus, questionasse por que não consegue superar, enquanto a pessoa parece espalhar atenção e amor em qualquer outro lugar.
O que posso lhe dizer?
Quando estou com você, é como se eu andasse no ar
Te observando dormir aliE o que eu não poderia superar?
Para todos, em todos os lugares
Você está respondendo a cada oração
Em seguida, é feita uma série de questionamentos através de referências da antiguidade por trás dos sete mares.
Várias culturas definiram a identidade dos mares à sua maneira. Acredita-se que o termo “sete mares” deveria abranger todos os mares do mundo, sendo sete um número místico, de divindade.
O questionamento, então, revela que ele continua fazendo suas orações. Na figura de um “sétimo mar”, o narrador representa a si mesmo como o mar supremo, no fim do mundo. Difícil de alcançar e ainda mais difícil de navegar, sua oração pede que seu amor o alcance e “navegue” em direção a ele.
Quando estiver navegando em uma onda
Você não vai trazer essa onda até mim?
Quando seu barco estiver partindo
Eu posso ser o seu sétimo mar?
A cantora Norah Shaqur participa de “Church” vocalizando um verso em árabe. O trecho evoca uma referência ao Salmo 22, em que Jesus exclama, na cruz, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas do meu auxílio e das palavras do meu bramido?”
O texto leva a entender que, mesmo machucado e sozinho, sem aparente reciprocidade, o narrador ainda adora e glorifica seu amor.
أبي يا الله يا قادر، لماذا تركتني؟
أبي يا الله يا قادر
حرية يا الل
ه محبة يا اللهMeu Pai, óh, Allah, óh, Todo Poderoso, por que me abandonaste?
Liberdade, óh, Allah
Seu amor, óh, Allah
Mesmo assim, a fé e o amor são o que o movem o narrador, que não se deixa abalar pelas dificuldades ou os desafios que lhe são impostos. É como se cada um deles se tornasse um aprendizado, ou uma chance de recomeçar. Porque, para ele, acreditar nesses sentimentos é suficiente para que a vida tenha o mínimo de sentido. E seguir adiante seja menos doloroso.
Eu louvo em sua igreja, sempre
Eu louvo em sua igreja, todos os sete dias
Eu adoro e adoro