COLDPLAY BRASiL

“Trouble in Town” e a crítica aos abusos da polícia

Chris Martin durante a apresentação de “Trouble in Town” em Amã, na Jordânia. Sobre o vocalista, há uma arte com o título da canção. (Foto: Reprodução)

A coluna Por trás da canção apresenta uma série especial com análises das letras de faixas selecionadas de Everyday Life, o novo álbum da banda.


“Eu estou lhe perguntando o que é o ‘X’, é seu nome do meio?”, pergunta um homem. “Claro, o que é que tem?”, responde outro, assustado com a abordagem. “Não me venha com essa porra de ‘O que é que tem?’”, rebate o primeiro, em um tom de voz ainda mais elevado do que o anterior.

O diálogo nada amistoso que se sobressai aos tímidos vocais de Chris Martin, a partir dos 2 minutos e 20 segundos de “Trouble in Town”, retrata uma realidade muitas vezes tão marginalizada do que ela em si: como os negros são tratados pela polícia.

No áudio, o policial em questão, Philip Nace, pára uma rapaz negro porque ele aparentemente disse “oi” a um suposto traficante de drogas. A gravação revela o assédio ilegal e perfil racial contra dois homens — um deles, gravou tudo e publicou o vídeo no YouTube.

Esse é o grande tema da faixa: levantar questões que critiquem o tratamento de pessoas não-brancas na sociedade. Logo nos primeiros versos, a crítica foca na discussão a respeito da obrigatoriedade do uso do hijab em países como o Irã, pelas mulheres — ou a proibição dele em alguns espaços, como ocorre na França. Algumas mulheres que optam por usar o adereço são julgadas e rotuladas como submissas, enquanto outras optam por vesti-lo como uma coroa.

Porque eles mataram meu irmão
Porque minha irmã não pode usar sua coroa

Porque eles enforcaram meu irmão Brown
Porque o sistema deles só te coloca pra baixo

Meu Deus, há sangue na batida

O questionamento se torna, então, para a falta de sensação de segurança, de conforto e alívio — para o narrador, isso simplesmente não ocorre —, enquanto, por outro lado, a brutalidade não pára. Muito pelo contrário: só aumenta exponencialmente.

Os versos referem-se aos problemas e dificuldades com que as pessoas de, por exemplo, países islâmicos enfrentam, pois não estão seguras em seus próprios países. Contra seus próprios governos, eles são prisioneiros de sua própria nação. Todas essas pessoas são constantemente identificadas como terroristas.

Uma vez que um dos temas do álbum é o conflito no Oriente Médio, esses trechos reforçam a ideia de conflito constante e medo da polícia.

E eu não tenho refúgio
E eu não tenho paz
E nunca pegam leve comigo

E eu só recebo mais polícia
E eu não tenho consolo
E eu não tenho nome
Tudo está ficando hostil

As palavras já abordadas na introdução da coluna, então, se refletem na melodia da canção: os acordes obscuros e lineares de piano são tomados por pesados tons de guitarras, baterias e baixos, enquanto o policial segue subindo o tom com os rapazes negros.

Em alguns momentos da gravação, questionamentos do narrador são ouvidos, de maneira singela, quase cansada, quase com uma sensação de medo, como se revelassem os próprios pensamentos de quem sofria o assédio dos policiais.

No trecho abaixo, o texto sem grifos se refere ao jovem; em itálico, ao policial Philip Nace; e negrito, às interferências de Chris Martin

Quê? Qual é o nome dele?
X
Tá, esse X é seu nome do meio?
Claro, está no documento de um veículo, não é?
(Deve haver uma maneira)
Você tá ficando espertinho? Porque você vai parar na porra do camburão com ele
Eu estou te dizendo
Espertinho de merda
(Ou isso vai explodir algum dia)
Eu tô te perguntando o que o X quer dizer, é o seu nome do meio?
É claro, o que é que tem?
Não me venha com essa porra de “O que é que tem?”
(Deve haver uma maneira)
Fale assim com esses porcos de merda na rua, mas você não vai falar comigo desse jeito
Eu não falo com ninguém na rua, eu não ando com ninguém
Bom, então não venha pra porra da Filadélfia, fique em Jersey
Eu tenho família aqui
Todo mundo se acha a porra de um advogado e não sabe merda nenhuma
Você deveria me agarrar desse jeito?
Te agarrar? Eu vou te segurar do jeito que eu quiser
Você não está me protegendo enquanto eu estou tentando, enquanto estou tentando ir trabalhar
Por que você não cala a boca?

A canção se encerra com um coral de crianças que participam do Esquema de Alimentação de Crianças Africanas (ACFS, na sigla em inglês) em Soweto, Joanesburgo.

O canto “jikelele”, em zulu — dialeto falado pelos moradores da província de KwaZulu-Natal, na África do Sul —, tem diversas traduções, como “em geral”, mas a palavra geralmente se refere a um todo, um universo etc. Duas traduções em particular que Coldplay pode ter adotado como conotação da palavra são “globais” ou “universalmente”.

Esta tradução abre caminho para o confrontante fato de que o tratamento brutal da polícia para com a população negra é uma realidade presente no mundo todo. Mas tão universal quanto esse problema, é a necessidade e são os movimentos para que isso mude.

Com a colaboração do Genius

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