Como George Orwell influenciou Coldplay no clipe de “Trouble in Town”

A revolução dos bichos, clássico da literatura, expõe as fraquezas da corrupção humana e serviu de inspiração para o vídeo

14.mar.2020
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Políticos são porcos prestes a partir para a briga em um debate televisivo, no videoclipe de “Trouble in Town”. (Foto: reprodução)

O videoclipe de “Trouble in Town”, lançado na última quinta-feira (12), chamou a atenção do público pela sua produção, enredo e, sobretudo, as críticas sociais e referências a um clássico da literatura: A revolução dos bichos (Companhia das Letras, 152 páginas, R$ 27,13), de George Orwell.

Lançada em 1945, a novela satiriza a União Soviética comunista através de uma história de corrupção e traição que recorre a figuras de animais para retratar as fraquezas humanas e criticar o “paraíso comunista” proposto por Josef Stalin.

Assista ao clipe de “Trouble in Town”

Quando uma revolta dos animais contra os humanos, em uma fazenda, é liderada por astutos porcos, os bichos tentam criar uma sociedade utópica, mas deixam-se seduzir pelo poder e estabelecem uma ditadura tão corrupta quanto a sociedade dos humanos.

Apesar do excesso de críticas à uma política vertente da esquerda, Orwell era socialista democrático e foi membro do Partido Trabalhista Independente do Reino Unido. O autor pensava que a política stalinista traía os princípios da Revolução Russa de 1927.

Todos os animais são iguais…

Quando Major, um velho porco, sente que sua hora está chegando, ele reúne os animais da fazenda para contá-los sobre um sonho: serem governados por si próprios, sem a submissão e a exploração do homem. Então, lhes ensinou uma antiga canção, chamada “Bichos da Inglaterra”, que resume a filosofia do Animalismo, exalta a igualdade entre os animais e os tempos prósperos que estavam por vir e acaba deixando os demais bichos em êxtase.

Após a morte de Major, os porcos Bola-de-Neve e Napoleão tomam a frente e passam a se reunir clandestinamente para traçar as estratégias da revolução.

Certo dia, o proprietário da fazenda, Sr. Jones, comete descuidos com a alimentação dos animais, fato que se torna a gota d’água. Sob o comando dos inteligentes e letrados porcos, os animais expulsaram os humanos da propriedade e passaram a chamar a “Fazenda Manor” de “Fazenda dos Bichos”. Eles aprenderam os Sete Mandamentos, que ganhavam a seguinte forma:

1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo
2. Qualquer coisa que ande sobre quatro patas, ou tenha asas, é amigo
3. Nenhum animal usará roupas
4. Nenhum animal dormirá em cama
5. Nenhum animal beberá álcool
6. Nenhum animal matará outro animal
7. Todos os animais são iguais

…mas alguns são mais que os outros

Os animais menos inteligentes não entendiam muito bem as complicadas frases. Então, os porcos resumiram os mandamentos na máxima “Quatro pernas bom, duas pernas mau.”

Após uma tentativa frustrada dos humanos de retomar a fazenda, Bola de Neve luta com bravura para defendê-la. Ele passa a dedicar todo o seu tempo ao aprimoramento da fazenda e da qualidade de vida de todos, mas, mesmo assim, é expulso por Napoleão, que alega sérias acusações, que se prolongam no decorrer da história, mesmo após o desaparecimento de Bola de Neve. Elas são usadas para encobrir verdadeiros problemas, ou mesmo como explicação para dar aos animais sobre catástrofes, criando-se um mito em torno do porco que, a partir dali, é considerado um traidor.

Napoleão se apropria da ideia de Bola de Neve de construir um moinho para gerar energia (mesmo, no início, tendo feito duras críticas). Algum tempo depois, os porcos começam a negociar com os agricultores da região, recusando a existência de uma resolução de não contactar com os humanos — apontando essa ideia como mais uma invenção de Bola de Neve. Os porcos passam ainda a viver na antiga casa de Sr. Jones e começam a modificar os mandamentos que estavam na porta do celeiro:

4. Nenhum animal dormirá em cama — com lençóis
5. Nenhum animal beberá álcool — em excesso
6. Nenhum animal matará outro animal — sem motivo
7. Todos os animais são iguais — mas alguns são mais iguais que os outros

Placas de publicidade exibem a frase “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.” (Foto: reprodução)

Esta é a primeira referência visível do livro no videoclipe. Enquanto um lagarto viaja, mexendo no celular, o carro passa por uma região em que placas de publicidade política revelam a frase. Em uma delas, está escrito “todos os animais são iguais” e, em outra, “mas alguns são mais iguais que os outros”, com imagens dos porcos, imponentes, em frente à uma bandeira.

Deste ponto (logo no começo) em diante, a ideia de desigualdade passa a ser perene no enredo do videoclipe e é o que vai pautá-lo até o fim.

Na cena seguinte, o carro em que o lagarto está passa por uma região periférica. Em determinado ponto, um veado sem teto aparece sentado ao relento, em um colchão, com um carrinho de supermercado ao seu lado, um guarda-chuva e um cartaz feito em papelão. Ao fundo, é possível ver cartazes similares às placas de publicidade, com o mesmo estilo de foto e os dizeres “Amor e gentileza.” Quando a câmera se aproxima do personagem, revela-se que ele está lendo o livro A revolução dos bichos.

Um veado sem teto lê o livro A revolução dos bichos, de George Orwell. (Foto: reprodução)

Quem era homem, quem era porco

No decorrer da história, todos os personagens estão, mesmo que indiretamente, acompanhando a um evento e tanto na televisão: um debate entre candidatos — com os porcos como políticos. Eles proferem discursos moralistas no palanque, o que começa a gerar um clima de tensão.

Quando a raposa, personagem principal da história, sofre com o abuso de autoridade de um policial corrupto e decide fugir e procurar abrigo com os seus amigos (que já aparecem no começo da história), a tensão atinge seu clímax.

É neste momento que, no palco do debate televisivo, os políticos porcos começam a se agredir fisicamente e partem para a briga. O histórico da canção e do enredo, tanto o do videoclipe, quanto o do livro, levam ao mesmo desfecho: os porcos se tornaram cegos demais frente à realidade e agem como, cada um, a única prioridade.

Em uma publicação nas redes sociais, Phil Harvey usou o trecho que encerra o livro para comentar as cenas finais do videoclipe. “As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.”

O momento de tensão em que o personagem principal foge de um policial corrupto e os políticos começam a brigar. (Foto: reprodução)

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